No entanto, ele não podia negar que também pensava em Stephania, olhando para o passado e, até mesmo, por breves momentos, fazendo-o pensar em voltar. Afinal, ela era a sua esposa e ele abandonara-a. Ela estava grávida do seu filho e ele tinha-se ido embora. Ele tinha-a deixado lá no cais. Que tipo de homem fazia isso?
"Ela tentou matar-me", lembrou-se Thanos a si mesmo.
"O quê?", perguntou o capitão, e Thanos percebeu que tinha falado em voz alta.
"Nada", disse Thanos. Ele suspirou. "A verdade é que eu não sei. Estou à procura de uma pessoa, e a Ilha dos Prisioneiros é o único lugar para onde ela poderia ter ido."
Ele sabia que o navio de Ceres tinha-se afundado no caminho para a ilha. Se ela tivesse sobrevivido, então fazia sentido que ela tivesse lá chegado, não era? Isso explicava, também, porque é que Thanos não a tinha visto desde então. Thanos tinha de acreditar que ela teria voltado para ele se tivesse conseguido.
"Parece um risco terrivelmente grande não saber", disse o capitão.
"Ela vale o risco", assegurou-lhe Thanos.
"Ela deve ser algo especial para ser melhor do que Lady Stephania", disse o contrabandista com um olhar que fez com que Thanos lhe quisesse dar um murro.
"Estás a falar sobre a minha esposa", disse Thanos, Ele mesmo reconheceu ali um problema óbvio. Ele não podia defendê-la quando tinha sido ele que a tinha abandonado e quando tinha sido ela a ordenar a sua morte. Ela provavelmente merecia tudo o dissessem sobre ela.
Agora, se, ao menos, ele se conseguisse convencer a si próprio disso. Se apenas os seus pensamentos sobre Ceres não continuassem a ser pontuados por pensamentos de Stephania, da forma como ela tinha estado com ele nas festas do castelo, como ela tinha estado em momentos tranquilos, da aparência dela na manhã após a noite do casamento deles…
"Tens a certeza que me consegues levar para a Ilha dos Prisioneiros em segurança?", perguntou Thanos. Ele nunca estivera lá, mas toda a ilha deveria ser uma fortaleza bem guardada de um lugar inescapável para aqueles que eram levados para lá.
"Oh, isso é fácil", assegurou o capitão. "Nós passamos por lá às vezes. Os guardas vendem alguns dos prisioneiros que tratam como escravos. Atem-nos em estacas na costa para nós os vermos quando nos aproximamos."
Thanos tinha decidido há muito que ele odiava aquele homem. Porém, ele escondia-o, porque naquele momento o contrabandista era a única hipótese que ele tinha para chegar à ilha e encontrar Ceres.
"Eu não quero propriamente esbarrar contra os guardas", ele relevou.
O outro homem encolheu os ombros. "Isso não é difícil. Aproximamo-nos, deixamos-te num pequeno barco e continuamos como se fosse uma visita normal. Depois esperamos por ti na costa. Não por muito tempo, lembra-te. Se esperarmos demasiado tempo eles podem desconfiar."
Thanos não tinha dúvidas de que o contrabandista o abandonaria caso houvesse alguma ameaça ao seu navio. Só a perspetiva do lucro o trouxera até ali. Um homem assim não entenderia o amor. Para ele, era provavelmente algo que se contratava à hora nas docas. Mas ele tinha conseguido levar Thanos até tão longe. E isso era o que importava.
"Percebes que mesmo se encontrares essa mulher na Ilha dos Prisioneiros", disse o capitão, "ela pode já não ser como te lembras".
"Ceres sempre será Ceres", insistiu Thanos.
Ele ouviu o outro homem bufar. "Fácil de dizer, mas tu não sabes as coisas que eles fazem lá. Eles vendem-nos alguns como escravos e a maioria deles não consegue fazer nada sozinho, a menos que lhe digamos.
"E tenho a certeza de que ficas feliz com isso", respondeu Thanos.
"Não gostas muito de mim, pois não?", perguntou o capitão.
Thanos ignorou a pergunta, olhando para o mar. Ambos sabiam a resposta e, naquele momento, ele tinha melhores coisas em que pensar. Ele tinha de encontrar uma maneira de localizar Ceres, independentemente do que…
"Aquilo é terra?, perguntou, apontando.
De início, não era mais do que um ponto no horizonte, mas mesmo assim, parecia sombrio, rodeado por nuvens e com ondas agitadas. Ao aproximar-se, Thanos sentia um medo crescente e ameaçador dentro de si.
A ilha surgia numa série de picos de granito cinzento como os dentes de alguma grande besta. Um bastião estava no ponto mais alto da ilha e, acima dele, havia um farol a incandescer incessantemente, como se para avisar todos os que fossem até ali, para se afastarem. A maior parte da ilha parecia inóspita, mas Thanos via árvores num dos lados.
À medida que se aproximavam ainda mais, ele conseguia ver janelas que pareciam estar esculpidas diretamente na rocha da ilha, como se todo o local tivesse sido esvaziado para tornar a prisão maior. Ele via também praias de xisto, com ossos brancos descolorados a perfurarem. Thanos ouviu gritos, empalidecendo ao perceber que não conseguia distinguir se eram de aves marinhas ou de pessoas.
Thanos fez deslizar o seu pequeno barco até ao xisto da praia, estremecendo de repulsa ao ver algemas fixadas lá abaixo da linha da maré. A sua imaginação disse-lhe imediatamente o que eram: eram para torturar ou executar prisioneiros usando as ondas que chegavam. Um conjunto de ossos abandonados na costa contava a sua própria história.
O capitão do barco de contrabando virou-se para ele e sorriu.
"Bem-vindo à Ilha dos Prisioneiros."
CAPÍTULO DOIS
Para Stephania, o mundo parecia desolador sem Thanos. Parecia-lhe um frio, apesar do calor do sol. Vazio, apesar da agitação das pessoas ao redor do castelo. Ela olhava para a cidade. Ela teria ficado feliz se a tivesse incendiado, porque nada daquilo tinha qualquer significado para ela. Tudo o que conseguia fazer era ficar sentada junto às janelas dos seus aposentos, sentindo como se alguém tivesse arrancado o seu coração.
Talvez alguém ainda o fizesse. Ela tinha arriscado tudo por Thanos, afinal. Qual era exatamente a pena por ajudar um traidor? Stephania sabia a resposta para isso, porque era a mesma que qualquer outra coisa no Império: o que quer que fosse que o rei decidisse. Ela tinha poucas dúvidas de que ele iria querer a sua morte por causa disso.
Uma das suas aias ofereceu-lhe um tónico calmante à base de plantas. Stephania ignorou-o, mesmo quando ela o colocou numa pequena mesa de pedra ao seu lado.
"Minha senhora", disse a miúda. "Alguns dos outros... eles estão a questionar-se... não nos deveríamos estar a preparar para deixar a cidade?"
"Para deixar a cidade", disse Stephania. Ela conseguia ouvir o quão plana e estúpida a sua própria voz soava.
"É só porque... não estamos em perigo? Com tudo o que aconteceu e com tudo o que nos mandaste fazer... para ajudar Thanos."
"Thanos!". O nome despertou-a da sua letargia por um momento, ficando seguidamente com raiva. Stephania pegou na poção de ervas. "Não te atrevas a mencionar o nome dele, sua miúda estúpida! Sai. Sai! "
Stephania atirou a chávena com a sua infusão fumegante. A sua aia baixou-se, o que já de si era irritante, mas o som da chávena a partir-se mais do que compensou. Um líquido castanho derramou-se pela parede. Stephania ignorou aquilo.
"Que ninguém me incomode!", gritou ela à miúda. "Ou arranco-te a pele por isso."
Stephania precisava de ficar sozinha com os seus pensamentos, mesmo que fossem pensamentos tenebrosos sobre uma parte dela se querer atirar da varanda dos quartos apenas para acabar com tudo. Thanos tinha-se ido embora. Tudo o que ela tinha feito, tudo para o qual ela tinha trabalhado… e Thanos tinha-se ido embora. Ela nunca tinha acreditado no amor, antes de Thanos. Ela estava convencida de que era uma fraqueza que só abria as pessoas para a dor, mas com ele tinha-lhe parecido que valia o risco. Agora, tinha-se constatado que ela tinha razão. O amor apenas tornava mais fácil que o mundo te magoasse.