“Não me desejas?”, implorou Stephania. “Eu pensei que me querias para teu brinquedo.”
Irrien não era tão tolo ao ponto de ignorar os encantos de Stephania também. Isso era parte do problema. Quando a mão dela tinha tocado no seu braço, ele tinha sentido algo para além dos habituais primeiros sinais de desejo que ele sentia com belas escravas. Ele não iria permitir aquilo. Não poderia permitir aquilo. Ninguém teria poder sobre ele, mesmo do género que vinha de dentro de si.
Ele olhou para a multidão. Havia ali lindas mulheres mais do que suficientes. As anteriores aias de Stephania ajoelhadas nas suas correntes. Algumas choravam ao ver o que estava a acontecer à sua ex-governante. Ele iria distrair-se com elas não tardava muito. Por enquanto, ele precisava de se livrar da ameaça que Stephania representava com a habilidade dela em fazê-lo sentir algo.
O mais superior dos sacerdotes aproximou-se, com os fios de ouro e prata na sua barba a tilintar enquanto ele se movia.
“Está tudo pronto, meu lorde”, disse ele. “Vamos cortar o bebé da barriga da sua mãe, e depois sacrificamo-lo no altar da maneira apropriada.”
“E os teus deuses acharão isso agradável?”, perguntou Irrien. Se o sacerdote reparou na pequena nota de escárnio ali, não se atreveu a mostrar.
“Muito agradável, Primeiro Pedregulho. Muito agradável.
Irrien assentiu.
“Então, será feito da maneira que sugeres. Mas serei eu a matar a criança.”
“Tu, Primeiro Pedregulho?”, perguntou o sacerdote. Ele pareceu surpreendido. “Mas porquê?”
Porque era a sua vitória, e não a vitória do sacerdote. Porque tinha sido Irrien a lutar pela cidade, enquanto aqueles sacerdotes provavelmente tinham estado em segurança nos navios que os transportavam. Porque tinha sido ele que tinha ficado ferido por causa daquilo. Porque Irrien assumia as mortes que eram dele, em vez de deixá-las para homens menores. Porém, ele não explicou nada disso. Ele não lhes devia tais explicações.
“Porque eu escolho fazê-lo”, disse ele. “Tens alguma coisa contra?”
“Não, Primeiro Pedregulho, nada contra”.
Irrien apreciou a nota de medo ali, não por causa própria, mas porque era uma lembrança do seu poder. Tudo aquilo era. Era uma declaração da sua vitória tanto quanto era gratidão para com qualquer deus que estivesse a assistir. Era uma forma de reivindicar aquele lugar, ao mesmo tempo que se livrava de uma criança que poderia tentar reclamar o seu trono quando tivesse idade suficiente.
Porque era um lembrete do seu poder, ele levantou-se e observou a multidão enquanto os sacerdotes começavam a sua carnificina. Eles levantaram-se e ajoelharam-se em fileiras, os guerreiros, os escravos, os comerciantes, e aqueles que reivindicavam sangue nobre. Ele observava o seu medo, o seu choro, a sua repulsa.
Atrás dele, os sacerdotes entoavam. Falar em línguas antigas significava terem sido dados pelos próprios deuses. Irrien olhou para trás para ver o mais superior dos sacerdotes a segurar uma espada sobre a barriga exposta de Stephania, pronto para cortar, enquanto ela lutava para fugir.
Irrien voltou sua atenção para aqueles que estavam a assistir. Aquilo era sobre eles, não sobre Stephania. Ele observou o horror deles quando a mendicância de Stephania se transformou em gritos atrás dele. Ele observou as reações deles, vendo quem estava impressionado, quem estava assustado, quem olhava para ele com um ódio silencioso e quem parecia estar a apreciar o espetáculo. Ele viu uma das aias que ali estava desmaiar ao ver o que estava a ocorrer atrás dele e resolveu mandar que a castigassem. Outra chorava tanto que outra teve de segurá-la.
Irrien descobriu que observar aqueles que o serviam dizia-lhe mais sobre eles do que qualquer declaração de lealdade. Silenciosamente, ele demarcou aqueles entre os escravos que ainda tinham de ser totalmente destruídos, aqueles entre os nobres que olhavam para ele com muita inveja. Um homem sábio não baixava a guarda, mesmo quando ganhava.
Os gritos de Stephania tornaram-se mais agudos por momentos, elevando-se a um crescendo que parecia perfeitamente cronometrado para coincidir com o canto dos sacerdotes. A seguir, os gritos deram lugar a gemidos, caindo. Irrien duvidava que ela sobrevivesse àquilo. Naquele preciso momento, ele não se importava. Ela estava a cumprir o seu propósito de mostrar ao mundo que ele mandava ali. Qualquer coisa além disso era desnecessária. Quase deselegante.
Algures ali, gritos novos juntaram-se aos das mais belas nobres de Delos, com os gritos atraentes a entrelaçarem-se com os dela. Irrien recuou em direção ao altar, abrindo os braços, atraindo a atenção daqueles que assistiam.
“Viemos aqui, e o Império estava fraco, portanto, conquistámo-lo. Eu conquistei-o. O lugar dos fracos é servir ou morrer, e eu decido qual.”
Ele virou-se para o altar onde Stephania estava estendida, com o vestido cortado, coberta agora numa confusão de sangue e membrana fetal tanto quanto em seda ou veludo. Ela ainda estava a respirar, mas a sua respiração estava esfarrapada, e uma coisa fraca como ela não iria sobreviver à ferida.
Irrien chamou a atenção dos sacerdotes e, em seguida, abanou a cabeça à forma prostrada de Stephania.
“Deitem isso fora.”
Eles correram para obedecer, levando-a para longe, enquanto um dos sacerdotes lhe entregou a criança como se lhe estivesse a apresentar o maior dos dons. Irrien olhou para ele. Era estranho que uma coisa tão pequena e frágil pudesse representar uma ameaça para alguém como ele, mas Irrien não era um homem de assumir riscos tolos. Um dia, o rapaz teria crescido e transformando-se num homem, e Irrien já tinha visto o que acontecia quando um homem sentia que não tinha o que lhe pertencia. Ele tinha tido de matar mais do que uns poucos na sua época.
Ele colocou a criança no altar, voltando-se para o público, enquanto desembainhou uma faca.
“Vejam, todos vocês”, ordenou ele. “Vejam e lembrem-se do que acontece aqui. Os outros Pedregulhos não estão aqui para assumir esta vitória. Eu estou.”
Voltou-se para o altar, e, instantaneamente percebeu que algo estava errado.
Estava lá uma figura, um homem de aparência jovem com pele osso-branco, cabelo claro e olhos de um âmbar profundo que lembravam a Irrien um gato. Ele usava mantos, mas eram pálidos, onde os dos sacerdotes eram escuros. Ele percorreu um dedo através do sangue no altar, sem aparente repugnância, simplesmente com interesse.
“Ah, Lady Stephania”, disse ele, numa voz que era suave e agradável, e quase certamente uma mentira. “Ofereci-lhe a hipótese de ser minha aluna antes. Ela deveria ter aceitado a minha oferta.”
“Quem és tu?”, perguntou Irrien. Ele mudou a forma como estava a agarrar a faca, como se primeiro estivesse preparado para espetá-la e depois preparado para a luta. “Porque é que te atreves a interromper a minha vitória?”
O outro homem estendeu as mãos. “Eu não queria interromper, Primeiro Pedregulho, mas estavas prestes a destruir algo que me pertence.”
“Algo...” Irrien sentiu um lampejo de surpresa quando percebeu o que aquele estranho queria dizer. “Não, tu não és o pai da criança. Ele é um príncipe deste lugar.”
“Eu nunca disse que era”, disse o outro homem. “Mas prometeram-me a criança como pagamento, e eu estou aqui para recolher esse pagamento.”
Irrien conseguia sentir a sua raiva a crescer e agarrou com força a faca que segurava. Ele virou-se para ordenar que aquele tolo fosse capturado, e foi só quando o fez que ele percebeu que os outros ali não estavam a mover-se naquele momento. Eles estavam extasiados.
“Suponho que deveria felicitar-te, Primeiro Pedregulho”, disse o estranho. “Eu acho que a maioria dos homens que afirmam ser poderosos são na verdade pouco determinados, mas tu nem sequer reparaste no meu... pequeno esforço.”