"Eles foram muito rudes", disse Lacey, perplexa, enquanto Tom limpava.
"Eles estão na pousada de Carol", ele explicou, olhando para ela apoiado nas mãos e joelhos, enquanto passava o pano sobre os azulejos. "Ela disse que eles são horríveis. O homem, Buck, envia todas as refeições que pede de volta para a cozinha. Depois de comer metade, é claro. A esposa continua alegando que os xampus e sabonetes estão causando uma irritação na sua pele, mas sempre que Carol abastece o quarto com algo novo, os anteriores desaparecem misteriosamente. Ele se levantou, balançando a cabeça. "Eles estão infernizando a vida de todo mundo".
"Humm", Lacey murmurou, colocando o último pedaço de croissant na boca. "Acho que dei sorte, então. Duvido que eles tenham algum interesse em antiguidades".
Tom deu três batidinhas no balcão. "Bata na madeira, Lacey. Não brinque com a sorte".
Lacey já ia dizer que não acreditava em superstições, mas então se lembrou do encontro com o homem idoso e a bailarina mais cedo, e decidiu que era melhor não arriscar. Ela deu três batidinhas no balcão.
"Pronto. O mau agouro foi oficialmente quebrado. Agora, é melhor eu ir. Ainda tenho um monte de coisa para avaliar antes do leilão amanhã".
O sino acima da porta tilintou e Lacey levantou os olhos, vendo um grande grupo de crianças entrar ruidosamente. Elas estavam usando vestidos de festa e chapéus. Entre elas, uma menina loira baixinha e gordinha, vestida de princesa e trazendo um balão de hélio, gritou para todo mundo ouvir: "É meu aniversário!"
Lacey se voltou para Tom com um pequeno sorriso nos lábios. "Parece que você vai ficar bem ocupado por aqui".
Ele parecia perplexo, e um tanto preocupado.
Lacey saltou do banquinho, deu um selinho nos lábios dele e então o deixou à mercê de um bando de meninas de oito anos.
*
De volta a sua loja, Lacey continuou a avaliar os últimos itens Náuticos para o leilão de amanhã.
Ela estava particularmente animada com um sextante que havia encontrado na localização mais improvável possível: uma loja de caridade. Ela só havia entrado para comprar o console de jogos retrô que estava na vitrine – algo que ela sabia que seu sobrinho, obcecado por computadores, iria adorar – quando o viu. Um sextante do início do século 19, num estojo de mogno, alça de ébano e moldura dupla! Estava simplesmente ali, imóvel na prateleira, entre canecas com dizeres engraçados e alguns modelos de ursinhos de pelúcia tão fofinhos que dava enjoo.
Lacey mal acreditou no que viu. Afinal, ela era novata no ramo de antiguidades. Aquela descoberta devia ser uma ilusão. Mas quando ela correu para examiná-lo melhor, a parte inferior de sua base tinha a inscrição 'Bate, Poultry, London', que confirmava que ela estava segurando um genuíno e raro artigo feito por Robert Brettell Bate!
Lacey ligou para Percy imediatamente, sabendo que ele era a única pessoa no mundo que ficaria tão animada quanto ela. Ela estava certa. Parecia que todos os Natais haviam chegado mais cedo para o homem.
"O que você vai fazer com ele?" Percy perguntou. "Precisa fazer um leilão. Um item raro como esse não pode simplesmente ser colocado no eBay. Ele merece ser celebrado".
Apesar de Lacey estar surpresa por alguém da idade de Percy saber o que era o eBay, sua mente se prendeu à palavra leilão. Ela poderia fazer isso? Realizar mais um logo depois do primeiro? Ela pôde vender um valioso lote de móveis vitorianos antes. Não poderia realizar um leilão só com aquela peça. Além disso, parecia imoral comprar uma antiguidade rara de uma loja de caridade, sabendo qual o seu real valor.
"Eu sei", disse Lacey, tendo uma ideia. "Vou usar o sextante como uma atração, como a principal atração de um leilão geral. Então, toda a renda com as vendas será revertida para a loja de caridade".
Isso resolveria dois dilemas; a sensação repugnante de comprar algo pagando menos do que o seu verdadeiro valor de uma instituição de caridade e o que fazer depois de comprá-lo.
E foi assim que todo o plano se encaixou. Lacey havia comprado o sextante (e o console, que ela havia largado de tanta emoção e quase se esqueceu de recuperar), decidiu sobre o tema náutico, e depois começou a trabalhar na curadoria do leilão e para divulgar o evento.
O som do sino em cima da porta tirou Lacey de seu devaneio. Ela levantou os olhos e viu sua vizinha de cabelos grisalhos, Gina, entrar com Boudicca, sua Border Collie.
"O que você está fazendo aqui?" perguntou Lacey. "Eu pensei que iríamos nos encontrar para o almoço".
"Nós vamos!" Gina respondeu, apontando para o grande relógio de latão e ferro forjado pendurado na parede.
Lacey voltou o olhar para ele. Juntamente com tudo no "Cantinho nórdico", o relógio estava entre seus objetos decorativos favoritos na loja. Era uma antiguidade (é claro), e parecia já ter pertencido à fachada de um prédio vitoriano.
"Ah!" Lacey exclamou, finalmente percebendo que horas eram. "É uma e meia. Já? O dia passou voando".
Foi a primeira vez que as duas amigas planejaram fechar a loja por uma hora e almoçar juntas. E, por "planejaram", o que realmente aconteceu foi que Gina havia convencido Lacey a tomar vinho demais uma noite e torcido o braço dela até ela ceder e concordar. Era verdade que praticamente todos os locais e visitantes da cidade de Wilfordshire passavam a hora do almoço em um café ou pub, em vez de vasculhando as prateleiras de uma loja de antiguidades, e que uma hora apenas de fechamento dificilmente prejudicaria as vendas de Lacey, mas agora que ela sabia que os bancos estavam fechados na segunda-feira, começou a ter dúvidas.
"Talvez não seja uma boa ideia, afinal", disse Lacey.
Gina colocou as mãos nos quadris. "Por quê? Que desculpa você inventou dessa vez?"
"Bem, eu não sabia que era feriado hoje. Há muito mais pessoas circulando do que o normal".
"Muito mais pessoas, não muitos mais clientes", disse Gina. "Porque cada uma delas estará sentada dentro de um café, pub ou cafeteria em cerca de dez minutos, exatamente como deveríamos estar! Vamos, Lacey. Nós conversamos sobre isso. Ninguém compra antiguidades na hora do almoço!"
"Mas e se alguns deles forem europeus?" perguntou Lacey. "Você sabe que eles fazem tudo mais tarde no continente. Se eles jantam às 21h ou 22h, a que horas almoçam? Provavelmente não à uma!"
Gina a pegou pelos ombros. "Você está certa. Mas eles passam a hora do almoço tirando uma soneca. Se houver turistas europeus, eles estarão dormindo na próxima hora. Para dizer com palavras que você pode entender, não vão estar comprando em uma loja de antiguidades!"
"Certo, tudo bem. Então os europeus estarão dormindo. Mas e se eles tiverem vindo de lugares mais distantes e seus relógios biológicos ainda estiverem desajustados, de modo que não sintam fome no almoço e ao invés tenham vontade de comprar antiguidades?"
Gina apenas cruzou os braços. "Lacey", disse ela, de uma maneira maternal. "Você precisa de uma pausa. Vai ficar exausta se gastar cada minuto do dia dentro destas quatro paredes, por mais artisticamente decoradas que elas estejam".
Lacey torceu os lábios. Então, colocou o sextante no balcão e foi para o meio da loja. "Você está certa. Quanto mal uma hora pode realmente causar?"
Lacey logo se arrependeria de ter dito essas palavras.
CAPÍTULO TRÊS
"Estou morrendo de vontade de visitar a nova casa de chá", disse Gina alegremente, enquanto ela e Lacey passeavam pela orla marítima, com seus companheiros caninos correndo um contra o outro pelas ondas, balançando a cauda com entusiasmo.
"Por quê?" perguntou Lacey. "O que tem de tão bom?"
"Nada em particular", respondeu Gina. Então, ela abaixou a voz. "Só que ouvi dizer que o novo proprietário costumava ser um lutador profissional! Mal posso esperar para conhecê-lo".