Gwen ficou em silêncio, sentindo um buraco no estômago enquanto olhava com tristeza para a menina, querendo ajudá-la. Ela começou a questionar-se sobre o Rei e começou a questionar-se se as palavras de Kristof eram verdadeiras.
"Eldof valoriza a família", continuou Kristof. "Ele nunca abandonaria um dos seus. Ele valoriza o nosso verdadeiro eu. Ninguém aqui é recusado por vergonha. Essa é a praga do orgulho. E aqueles que são dementes estão mais próximos do seu verdadeiro eu."
Kristof suspirou.
"Quando conheceres Eldof", disse ele, "vais entender. Não há ninguém como ele, nem nunca haverá."
Gwen podia ver o fanatismo nos seus olhos, podia ver o quão perdido ele estava naquele lugar, naquele culto, e ela sabia que ele estava demasiado perdido para sequer voltar para o Rei. Ela olhou rapidamente e viu a filha do Rei ali sentada, sentindo-se cheia de pena dela, de todo aquele lugar, da sua família despedaçada. A sua visão da imagem perfeita do Cume, da família real perfeita, tinha-se desmoronando. Aquele lugar, como qualquer outro, tinha o seu próprio lado sombrio. Havia uma batalha silenciosa ali e era uma batalha de crenças.
Era uma batalha que Gwen sabia que não conseguia ganhar. Nem ela tinha tempo para isso. Gwen pensou na sua própria família abandonada, e sentiu a urgência premente de salvar o seu marido e o seu filho. A sua cabeça estava às voltas naquele lugar, com o incenso espesso no ar e a falta de janelas a desorientarem-na, e ela queria obter o que precisava e sair. Ela tentou lembrar-se porque é que tinha ido ali sequer e, então, ela lembrou-se: para salvar o Cume, tal como tinha prometido ao Rei.
"O teu pai acredita que esta torre detém um segredo", disse Gwen, chegando ao ponto, "um segredo que poderia salvar o Cume, poderia salvar o vosso povo."
Kristof sorriu e fez figas.
"O meu pai e as suas crenças", respondeu ele.
Gwen franziu as sobrancelhas.
"Estás a dizer que não é verdade?", perguntou ela. "Que não existe nenhum livro antigo?"
Ele fez uma pausa, desviou o olhar e, depois suspirou profundamente, ficando em silêncio por um longo período. Por fim, continuou.
"O que te deve ser revelado e quando", disse ele, "ultrapassa-me. Apenas Eldof pode responder às tuas perguntas."
Um sentimento de urgência começou a crescer dentro de Gwen.
"Podes levar-me até ele?"
Kristof sorriu, virou-se e começou a caminhar pelo corredor.
"Certamente", disse ele, andando rapidamente, já distante, "como uma traça em direção à luz."
CAPÍTULO CINCO
Stara estava na plataforma precária, tentando não olhar para baixo à medida que ia sendo puxada cada vez mais para cima na direção do céu, vendo a vista a expandir-se a cada puxão da corda. A plataforma subia cada vez mais ao longo da borda do Cume. Stara permanecia ali, com o coração a bater com força, disfarçada, com o capuz puxado para baixo sobre o rosto e o suor a escorrer-lhe pelas costas abaixo enquanto sentia o calor do deserto a aumentar. Estava sufocante tão lá no alto e o dia mal havia nascido. À sua volta estavam os sempre presentes sons das cordas, roldanas e rodas a ranger, enquanto os soldados puxavam sem parar, sem nenhum deles perceber quem ela era.
Em poucos instantes, a plataforma parou e tudo ficou quieto enquanto ela permanecia no pique do Cume - o único som era o uivo do vento. A vista era impressionante, fazendo-a sentir-se como se estivesse no topo do mundo.
Tal trazia-lhe de volta memórias. Stara lembrou-se de quando chegou pela primeira vez ao Cume, novata, vinda do Grande Desperdício, com Gwendolyn e Kendrick e todos os outros esfalfados, a maioria deles mais morto do que vivo. Ela sabia que tinha tido sorte em ter sobrevivido e, de início, a vista do cume tinha sido um grande dom, tinha sido uma visão de salvação.
E, no entanto, agora ali estava ela, preparada para se ir embora, para descer o Cume mais uma vez pelo seu lado mais longínquo, de volta para o Grande Desperdício, de volta para o que poderia ser uma morte certa. Ao lado dela, o seu cavalo empinava-se, com os seus cascos a tatearem a oca plataforma. Ela estendeu a mão e acariciou a sua crina, tranquilizando-o. Aquele cavalo seria a sua salvação, a sua passagem para sair dali; ele faria com que a sua passagem pelo Grande Desperdício fosse muito diferente do que tinha sido.
"Não me lembro de ordens do nosso comandante sobre esta visita", ouviu-se a voz de comando de um soldado.
Stara ficou muito quieta, sabendo que estavam a falar sobre ela.
"Então eu terei de colocar essa questão diretamente ao seu comandante – ao meu primo, o Rei", respondeu Fithe convictamente, de pé ao lado dela, soando tão convincente como nunca.
Stara sabia que ele estava a mentir. Ela sabia que ele estava a arriscar por ela – e ela ficava-lhe, para sempre, grata por isso. Fithe tinha-a surpreendido por cumprir com a sua palavra, por, como tinha prometido, fazer tudo o que estava ao seu alcance para ajudá-la a sair do Cume, para ajudá-la a ter uma hipótese de ir por ali fora e encontrar Reece, o homem que amava.
Reece. Stara ficava em sofrimento ao pensar nele. Ela iria deixar aquele lugar, por muito seguro que fosse, iria atravessar a Grande Desperdício, cruzar oceanos, atravessar o mundo, apenas por uma oportunidade de lhe dizer o quanto o amava.
Por muito que Stara odiasse colocar Fithe em perigo, ela precisava daquilo. Ela precisava arriscar tudo para encontrar aquele que amava. Ela não conseguia ficar no Cume em segurança, por muito glorioso, rico e seguro que fosse, até ficar com Reece.
Os portões de ferro para a plataforma abriram-se a ranger. Fithe pegou-a pelo braço, acompanhando-a. Ela usava o capuz para baixo, com o seu disfarce a dar resultado. Eles saíram da plataforma de madeira para o planalto de pedra dura no topo do Cume. Um vento a uivar passou, forte o suficiente para quase os derrubar e desequilibrar e ela agarrou a crina do cavalo, O seu coração bateu com força ao ver a vasta extensão, a loucura do que estava prestes a fazer.
"Mantem a tua cabeça baixa e o teu capuz para baixo", Fithe sussurrou urgentemente. "Se eles te veem, veem que és uma miúda, eles vão perceber que não é suposto estares aqui em cima. E mandam-te para trás. Espera até nós chegarmos ao extremo mais distante do cume. Há uma outra plataforma à tua espera para te levar para baixo pelo outro lado. Ela vai levar-te – e somente a ti sozinha."
A respiração de Stara acelerou quando os dois atravessaram o grande planalto de pedra, passando por cavaleiros, andando rapidamente, Stara mantendo a cabeça para baixo, longe dos olhos curiosos dos soldados.
Por fim, eles pararam, e ele sussurrou:
"Ok. Vê."
Stara puxou o capuz para trás, com o seu cabelo coberto de suor e, ao fazê-lo, ela ficou atordoada com o que viu: dois sóis enormes e lindos, ainda vermelhos, nascendo na manhã gloriosa do deserto, com o céu coberto de um milhão de tons de rosa e roxo. Parecia como se fosse o romper da aurora do mundo.
Ao olhar ao longe, ela viu todo o Grande Desperdício espalhar-se diante de si, parecendo esticar-se até ao fim do mundo. Ao longe estava a Parede de Areia em fúria e, contra si mesma, ela olhou diretamente para baixo. Ela ficou estonteada devido ao seu medo das alturas e, logo a seguir, desejou não o ter feito.
Ela viu a inclinação acentuada, desde lá de cima até à base do Cume. E diante de si, ela viu uma plataforma solitária, vazia, à sua espera.
Stara virou-se e olhou para Fithe, que olhou para ela seriamente.
"Tens a certeza?", perguntou ele suavemente. Ela conseguia ver nos olhos dele o medo que ele tinha por ela.
Stara sentiu uma onda de apreensão a percorrê-la. Mas, depois, pensou em Reece e abanou cabeça sem hesitação.