- Pois bem, a missão procede segundo as minhas expectativas – mentiu Ruegra – preciso apenas de repousar, os anéis nos fazem sempre dançar um pouco – disse para desembaraçar-se do seu interlocutor.
Mastigo, mandou que lhe servisse uma taça de frutos locais para restaurá-lo da longa viagem interplanetário, era melhor que se metesse cómodo porque devia fazer-lhe relatório sobre um insólito facto acontecido.
- Tenho um estranho caso por te submeter – começou a expor Mastigo – há dois dias Bonobianos, foi interceptada uma pequena nave comercial entrando sem autorização, as sentinelas não fizeram a tempo para mandá-la parar, mergulhou no Mar do Silêncio antes que pudesse parecer potencialmente perigosa.
Investigamos e o seu proprietário declarou de tê-la vendido recentemente a uma Eumenide. Mandei alguns soldados em reconhecimento no ponto presumível da sua aterragem, mas sabes como é, a partir do Mar do Silencio não recebemos comunicações, portanto não nos resta que esperar pacientemente.
Incomodado pela insistência do Governador por um facto de nenhuma relevância, perguntou:
- O que há de estranho? Não percebo...
- O Ponto onde se dirigia... olha... – disse Mastigo indicando um mapa do Mar do Silencio.
- Aquela é a área onde surge a velha cidadela sagrada dos Bonobianos... – sussurrou Ruegra quase dentro de si.
- Por isso dei-me a permissão de referenciar-te um facto em si banal. Enviei uma equipa no lugar. Poderia ser um caso mas melhor não arriscar, aquele lugar está cheio de mistérios. Seria ideal para uma base rebelde vista a ausência de comunicações e levantamentos de radar do qual goza, quase que fosse um buraco negro…
- Poderás ter razão, mantenha-me constantemente actualizado Mastigo, agora é melhor que vá descansar, amanhã partiremos outra vez à alvorada.
Naquela noite Ruegra tinha outra coisa a que pensar, recolhendo-se para o seu aposento pôs-se a sentar sobre o macio sofá e serviu-se um copo de Sidibé, um destilado de frutas de cacto do sítio. O seu olhar perdia-se no vazio e os seus pensamentos perseguiam-se como nuvens antes do furacão.
A viagem da qual regressava, ao contrário de como mal declarado ao seu fiel aliado, tinha sido um enorme fracasso.
Tinha-se dirigido à Lua de Enas, à colónia mineira de Stoneblack, famosa pelos seus mármores, para encontrar um homem que o seu pai respeitava, um velho inimigo da Carimea.
A colónia era governada pela tribo dos Trik, como os Anic povo de Carimea, mas com influências secundárias sobre o comando do planeta.
A sua natureza era servil e traiçoeira, tinham-se demonstrado sempre prontos para trair apenas o vento enchia as velas numa outra direcção.
Naquela Lua, mesmo os amigos podiam conspirar contra ele, portanto disfarcei a visita da inspecção de surpresa e pretensões das gotas de Âmbar Lunar ao irmão ao seu regresso.
Ruegra desfilou diante dos oficiais que, trazendo o cotovelo à altura do ombro e a parte lateral da mão diante da boca, paralela ao terreno, lhe saudavam. Aquele gesto da mão estava a indicar o silêncio perante ao comando e obediência absoluta. Mantinham firme o fôlego na presença dele. A colónia mineira utilizava como mão-de-obra os malfeitores condenados aos trabalhos forçados e os prisioneiros de guerra. Um deles era mantido de olho mais que os outros… e era o seu homem. Além de ser o mais alto em grau, gozava do respeito dos seus companheiros e os representava.
O general, ladeado pelo comandante e seguido por alguns soldados incumbidos ao dever, foi feito acomodar-se na sua sala de relaxamento do comando reservada aos oficiais. O comandante da colónia fez as honras da casa e perguntou se podia servir-lhe alguma coisa.
Ruegra não perdeu tempo, rejeitou a oferta e ordenou:
- Quero verificar as condições dos prisioneiros políticos da guerra contra o Sexto Planeta, deixem-me falar com o mais alto em grau entre eles.
- O General Wof?
- Sim, precisamente ele. Levem-me a ele!
- Sim, senhor.
O comandante deu um sinal a dois guardas e, poucos minutos mais tarde, estes voltaram na sala com um homem enfim não mais na flor da idade, com o físico cansado e esgotado, mas que conservava ainda o olhar cruel e indómito do guerreiro nunca vencido.
- Deixem-nos sós – ordenou Ruegra.
Ficou sozinho com o seu inimigo do engenho mais pungente. Recordou que, durante as batalhas, graças à sua habilidade estratégica e com poucos Sistianos ao seu comando, conseguia subverter os prognósticos que o davam por arruinado.
Hesitou um instante antes de dirigir-lhe a palavra, tinha reflectido sobre diversas estratégias durante a longa viagem, sabia que dificilmente teria perdido de repente o seu adversário. Tinha chegado a hora de escolher uma e começar a escaramuça verbal.
Escolheu de usar a adulação, esperando que a velhice e o cansaço tivessem aberto um caminho à vaidade.
- Saudações Wof, posso dizer que não te sentes mal não obstante não te tenha atribuído um tratamento excelente, mas estabeleci que te trouxessem livros e conhecimento.
- Faz muito tempo que não nos vemos - disse Wof fixando-o com os seus profundos olhos pretos – o que te traz neste lugar esquecido pela luz, onde a escuridão é soberana?
- Venho para falar contigo sobre o meu pai. Quando era criança recordo de tê-lo ouvido fantasiar sobre um pergaminho do qual tu conhecias os segredos. Agora que envelheço repenso nele e me questiono o que há de real naquela história.
Wof procurou de disfarçar a sua surpresa acariciando a sua madeixa encaracolada já branca que contornava o rosto escuro como o ébano.
- A narração do teu pai corresponde a verdade, mas ao que parece não te considerava à altura de conhecer os pormenores, mesmo ele estava a conhecimento dos segredos dos quais falas. Ruegra pareceu espantado, o seu pai tinha muitas vezes esboçado aquele mistério, mas não quisera por ventura aprofundá-lo.
- O que é que há General, questiono-te porque não te falara por acaso?
- Talvés a minha jovem idade e a minha impulsividade tornavam-me um mau interlocutor.
- Diria mais que as características que sempre te distinguiram são a paixão pelo poder e a conquista.
- O poder é indispensável para a ordem e a estabilidade – fez o ponto da situação o General levantando-se impaciente.
- A tua fé está na ordem ao serviço dum único indivíduo e na estabilidade duma única tribo – refutou Wof.
Ruegra começou a caminhar nervoso, ja tinha perdido há tempo a paciência, mas sabia bem que nada valeria torturas ou chantagens com o homem que estava sentado diante dele, o único indício era tentar conquistar a sua confiança.
Tentou a última cartada e disse, mentindo:
- Sabes que tenho um grande respeito do meu pai, quando era criança dizias que lhe assemelhava, via-te como um mestre então…
- O que te leva a pensar que te possa revelar como achar o pergaminho? A pureza de miúdo em ti desvaneceu rapidamente, Ruegra, e a vontade de ter a primazia deixou o passo à cobiça de poder – disse não tirando o olhar dos seus olhos.
- Não sou mais o Anic que recordas durante a guerra, saberia gerir o poder de forma imparcial, o meu pai falhou por não me ter contado tudo – caiu num ataque de ira o General.
- Se vieste ao meu encontro não eras digno da sua confiança. Que pai oculta ao filho o seu saber? Quanta amargura deve ter havido neste seu gesto, quem melhor dele te conhecia e quem sou eu para revelar-te tudo ignorando inconscientemente a sua avaliação a respeito? Como vês não posso que respeitar o seu desejo para honrar a sua memória – proferiu Wof e levantou-se para despedir-se do seu carrasco.